sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Relato de testemunha ausente pode ser lido para o Júri

Depoimentos prestados à Polícia por testemunhas, mas não repetidos diante do Júri, podem ser usados para sustentar uma condenação. É o que diz a jurisprudência do Reino Unido, adotada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O julgamento pelo tribunal europeu trouxe uma trégua para a relação conflitosa que vive com a Justiça britânica.

Os juízes europeus consideraram que o dispositivo da Convenção Europeia de Direitos Humanos que garante o direito de um acusado interrogar as testemunhas de acusação pode ser flexibilizado. Para eles, o fato de uma das testemunhas de acusação não ser ouvida em juízo não viola, a princípio, nenhum direito do réu. O depoimento que a testemunha ausente prestou previamente pode ser lido para o corpo de jurados, desde que estejam fortemente asseguradas as garantias processuais.

A decisão final da Corte Europeia é a de que a validade de condenação baseada em depoimento de testemunha ausente deve ser analisada caso a caso. A posição modifica entendimento que havia sido adotado por uma das câmaras de julgamento da corte, segundo a qual a convenção era clara ao estabelecer que um julgamento justo é aquele em que é garantido ao réu o direito de interrogar, por meio do seu advogado, as testemunhas de acusação.

O tema foi levado a julgamento no tribunal europeu pelo britânico Imad Al-Khawaya e pelo iraniano Ali Tahery, que mora em Londres. O primeiro é médico e foi condenado por abusar sexualmente de suas pacientes enquanto elas estavam hipnotizadas. Tahery foi condenado por esfaquear outro iraniano durante uma briga. O ponto comum entre os dois é que depoimentos determinantes para a condenação não foram feitos em juízo, diante do Júri, mas só pouco depois do crime para a Polícia. Coube à corte europeia, então, separar os casos e dizer em quais deles o direito de interrogar testemunhas de acusação foi justificadamente flexibilizado.

No caso do médico, uma das supostas vítimas se matou antes de o julgamento acontecer. Ela já tinha relatado o estupro para a Polícia e sua versão foi lida para os jurados. No dia do julgamento, depuseram como testemunha de acusação amigos da vítima morta, que foram confrontados pela defesa. A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou o julgamento válido. Os juízes observaram que não só a ausência da vítima era plenamente justificável como outras testemunhas de acusação puderam ser interrogadas pela defesa.

Já no segundo caso, a posição do tribunal europeu foi diferente. A única testemunha contra o acusado Tahery afirmou ter presenciado o crime, depôs para a Polícia, mas não quis participar do julgamento por estar com medo de retaliações. Seu relato, então, foi lido para o Júri sem a sua presença e a condenação foi baseada no relato lido. Para a corte europeia, neste caso o direito de ter um julgamento justo foi violado e o governo britânico foi condenado a pagar 6 mil euros (quase R$ 15 mil) de indenização para Tahery.

Interferência externa
Até o anúncio desta quinta-feira, a comunidade jurídica e os políticos da Inglaterra temiam que a decisão europeia fosse contrária à jurisprudência britânica. Os ingleses têm se mostrado insatisfeitos com a corte desde que o país foi repreendido por proibir presos já condenados de votar. Em abril deste ano, o tribunal europeu deu um prazo de seis meses para que o governo e o Parlamento apresentassem propostas para garantir o direito de voto aos presos. O prazo acabou em outubro e, até agora, o que se fez foi apenas questionar a interferência da corte na legislação britânica.

A corte é o órgão do Conselho da Europa responsável por interpretar a Convenção Europeia de Direitos Humanos, tratado assinado por todos os países da Europa, exceto a Bielorrússia. Como qualquer carta de direitos fundamentais, a convenção é bastante genérica e, de acordo com acusações do Reino Unido, tem permitido que a corte europeia interfira na política dos países. Uma das propostas que tem ganhado força no Reino Unido é tirar da corte o papel de interpretar a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Essa função ficaria com o órgão legislativo do Conselho da Europa.

A posição adotada nesta quinta, pelo menos não acentua a insatisfação dos ingleses. Embora a corte tenha condenado o governo a pagar indenização em um dos processos, a posição adotada reafirma o entendimento do Judiciário britânico.


Clique aqui para ler a decisão.


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